A pandemia do novo coronavírus tem alterado rotinas em todo o mundo e trazendo muitas consequências na área de saúde. Além dos infectados, a COVID-19 também causa outras preocupações, como tem sido a drástica redução na oferta de órgãos e no número de transplantes ao redor do mundo. “Conseguir um órgão é um ato heroico; no cenário atual, os critérios para validação das doações e coleta dos órgãos ficaram mais difíceis. As equipes das Organizações de Procura de Órgãos não vão mais aos hospitais, realizando apenas abordagens telefônicas. No Brasil, o cenário de doação de órgãos teve uma melhora substancial nos últimos anos, chegando à marca de 60% de autorizações familiares em 2019. Em 2020, porém, o coronavírus impõe um panorama diferente. Certamente, com essa nova realidade, muitos pacientes irão falecer na fila de transplante, à espera de um órgão”, afirma o Dr. Nertan Tefilli, responsável técnico pelo Serviço de Transplante Hepático do Hospital São Vicente, em Curitiba (PR).

Com a expansão da COVID-19, mais leitos de UTI estão sendo destinados exclusivamente para o tratamento da doença, o que representa um dos fatores complicadores para a concretização da doação. Segundo diretrizes da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, é desaconselhável que seja aceito para transplante órgãos de um doador que teve morte cerebral em uma UTI onde havia pacientes com COVID-19, pela chance de que o doador tenha contato com o vírus. Além disso, com a redução da malha aérea comercial, o transporte interestadual de órgãos para transplante foi bastante comprometido, sendo outro fator complicador. Por isso, torna-se tão importante que nos casos em que haja possibilidade de doação, exista a conscientização de que este ato de amor é, no cenário atual, ainda mais importante para salvar vidas.

O processo de doação de órgãos segue rígidos protocolos internacionais de segurança, e, a eles, foi adicionada a testagem para o novo coronavírus, sujeitando a mais uma espera para a concretização da doação. Todos esses trâmites precisam ser ágeis: quem já teve morte encefálica permanece com o coração batendo e órgãos vitais funcionando com auxílio de aparelhos e medicações. Porém, é um quadro de extrema instabilidade, com risco de parada cardíaca e inviabilização de todos os órgaos para transplante.

“É preciso que tenhamos a sabedoria de entender que transplantes de órgãos como coração, pulmão, fígado e rins não podem parar. Aos pacientes que seguem aguardando em lista, tenham a certeza de que a equipe médica considera caso a caso o risco da realização do transplante, e que a oportunidade de receber um órgão é ainda mais valiosa em tempos de pandemia, onde a escassez de doações pode retardar a oportunidade de uma nova vida”, afirma Dr. Nertan

No caso dos transplantes de rim, há uma diferença a mais: desde o dia 11 de março, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou pandemia da infecção por COVID-19, houve orientação do Sistema Nacional de Transplantes (SNT), bem como da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) de suspender os transplantes renais intervivos, mantendo apenas os transplantes dos doadores falecidos.

Dados do SNT mostram que, no Paraná, apesar de não tido uma queda significativa nos doadores, caiu o número de transplantes (para todos os órgãos). Enquanto no início de março eram feitos uma média de 12 a 15 transplantes por 10 milhões de população, no início de abril caiu para menos de 5 transplantes por 10 milhões de população com um aumento a partir da 2ª semana para 10 transplantes por 10 milhões de população.

A causa é múltipla: diminuição das atividades hospitalares (em relação aos atendimentos eletivos), isolamento social reduzindo acidentes de trânsito, pacientes possivelmente morrendo em casa por medo de ir ao hospital e falta de leitos em UTIs (UTIs exclusivas para Covid). A negação familiar também tem sido apontada como um fator importante, pois a recomendação do Ministério da Saúde, e apoiada pela ABTO, é de que todo potencial doador seja testado para COVID-19 — em caso afirmativo, ele deve ser descartado. Só que o resultado dos exames tem demorado, no mínimo, 12 horas para sair, e muitas famílias não querem esperar esse tempo todo, para não retardar o velório e o funeral.

Outra situação são os pacientes que estão na fila de espera para um transplante, mas preferem não se submeter por medo de se exporem aos riscos dos imunossupressores, exposição hospitalar, da cirurgia. “Por terem falência de um órgão já apresentam um status de imunodeficiência, e qualquer cirurgia também acaba sendo um risco em relação ao status imunológico e, no caso do transplante, ainda há a necessidade de imunossupressão. O que se deve fazer para minimizar o risco é a realização do exame excluindo a presença da COVID no doador de múltiplos órgãos, não internar o paciente em ala aonde exista o COVID (apesar de isso ser uma normativa do SNT/CET-PR), fazer avaliação pré-operatória bem detalhada excluindo tanto a possibilidade do contato e a presença do COVID no próprio receptor (principalmente para o diagnóstico nos pacientes assintomáticos), tentar deixar a imunossupressão na menor dose possível e que controle a rejeição e o isolamento desse paciente tanto no hospital quanto for de alta hospitalar”, explica a Dra. Luciana Percegona, chefe do Serviço de Nefrologia e Transplante Renal do Hospital São Vicente.

Lembrando que o transplante é uma decisão pessoal. “É importante que eles não tenham dúvidas da segurança de todo o processo. Lógico que se o risco de ficar com a insuficiência orgânica for maior que o risco do transplante nesse momento, isso deve ser explicado pela equipe médica ao paciente. Não há recomendação, pelas entidades de classe bem como Ministério da Saúde, nesse momento, em parar o transplante no Brasil. Os pacientes são avaliados caso a caso”, complementa.

Outra dica é que pacientes na fila do transplante ou recém-transplantados mantenham o isolamento social o máximo possível, usem máscara, façam a higiene nas mãos e uso de álcool gel, redobrando os cuidados no dia a dia, até mesmo em casa.